Artigo Consultor Jurídico: Por que não se pode confundir RPPS com previdência complementar fechada – por Devanir Silva*
15/12/2025

Artigo Consultor Jurídico: Por que não se pode confundir RPPS com previdência complementar fechada – por Devanir Silva*

Notícias recentes trouxeram à tona denúncias graves envolvendo aplicações de recursos previdenciários em títulos emitidos pelo Banco Master. A liquidação da instituição e a prisão de seus gestores geraram preocupação legítima sobre eventuais prejuízos para os fundos de previdência. A repercussão, porém, acabou agrupando sob o mesmo rótulo — “fundos de pensão” — sistemas que pertencem a universos regulatórios e institucionais completamente distintos.

Essa simplificação não é trivial: ela compromete a qualidade do debate, distorce a compreensão da sociedade sobre riscos e responsabilidades e introduz ruído em um tema que exige clareza técnica e estabilidade informacional. Entre os regimes confundidos estão os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) e as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Ambos administram poupança previdenciária, mas suas bases legais, estruturas de governança, formas de financiamento e modelos de supervisão são profundamente diferentes.

Os RPPS são regimes públicos, destinados exclusivamente aos servidores efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Funcionam como autarquias, institutos ou fundos vinculados ao ente federativo, com regras de custeio próprias, supervisionadas pelo Ministério da Previdência Social e pelos tribunais de contas estaduais e municipais. Sua governança depende diretamente das decisões administrativas e políticas do governo ao qual estão vinculados. O desenho institucional dos RPPS reflete, portanto, a natureza pública de sua criação e operação.

As EFPC, por outro lado, atuam no âmbito do Regime de Previdência Complementar Fechada e são entidades privadas, sem fins lucrativos, responsáveis pela administração de planos de benefícios de trabalhadores de empresas públicas e privadas. São reguladas pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), um órgão técnico federal que supervisiona continuamente sua solvência, governança, controles internos e aderência às normas prudenciais. Trata-se de um sistema moldado pela lógica do longo prazo, regido por padrões elevados de segurança e responsabilidade fiduciária, comparáveis a modelos consolidados internacionalmente.

Nenhuma EFPC investiu no Banco Master

Esse dado não é opinativo, mas factual, extraído da base oficial dos demonstrativos mensais de investimento que compõem o núcleo da supervisão da Previc. A total ausência de exposição das entidades fechadas ao episódio reforça, de forma objetiva, a diferença estrutural entre os sistemas. Evidencia, também, o rigor da governança e da política de investimentos das EFPC, que operam com critérios consistentes de análise de risco, diversificação, seleção de contrapartes e conformidade regulatória. Quando se reconhece essa realidade, torna-se evidente que interpretações genéricas que associam o sistema fechado a fragilidades de outros regimes não apenas se distanciam da verdade como prejudicam a percepção pública sobre a solidez da previdência complementar fechada.

Regime sancionador próprio das EFPC

Uma das características menos conhecidas fora do setor, mas decisiva para sua segurança, é o arcabouço disciplinar aplicado às entidades fechadas. Normativos como o Decreto nº 4.942/2003 estabelecem, de forma clara, deveres, responsabilidades, tipificações de infrações e penalidades direcionadas a dirigentes, conselheiros e gestores. Esse regime sancionador próprio diferencia-se do que se aplica aos RPPS e constitui um dos pilares da governança das EFPC, garantindo que condutas inadequadas sejam tratadas com rigor técnico, previsibilidade normativa e mecanismos específicos de apuração. Além disso, o próprio desenho regulatório — que exige controles internos robustos, auditoria independente, acompanhamento atuarial e supervisão permanente — cria uma malha institucional que reduz significativamente margens para arbitrariedades ou decisões temerárias.

Ignorar essas diferenças produz consequências concretas. Para os 3 milhões de participantes ativos e quase um milhão de aposentados e pensionistas vinculados às EFPC, ruídos imprecisos podem gerar insegurança injustificada e afetar a confiança em um sistema que, ao longo de décadas, construiu reputação de solidez, regularidade e previsibilidade. Em previdência, confiança não é acessória: é elemento estruturante da relação entre o trabalhador e o sistema. Preservá-la é tão importante quanto preservar os ativos financeiros.

Generalizações também prejudicam o debate técnico e institucional. Quando se parte de premissas equivocadas, discussões sobre reformas, aprimoramentos regulatórios ou ajustes de governança podem seguir caminhos impróprios, abrindo espaço para soluções inadequadas ou desconectadas da realidade operacional dos regimes. O país precisa avançar na compreensão de suas instituições previdenciárias com base em diagnósticos corretos, distinções precisas e linguagem responsável.

A previdência complementar fechada brasileira consolidou-se como um dos sistemas mais estruturados da América Latina, com elevada maturidade regulatória, capacidade técnica instalada e histórico de pagamento regular de benefícios. Esse patrimônio institucional deve ser preservado com informação clara, análise acurada e atenção às diferenças que definem o setor. Reconhecer que RPPS e EFPC pertencem a esferas distintas — com responsabilidades, riscos e mecanismos de controle próprios — é condição mínima para qualquer debate sério sobre o futuro previdenciário do país.

O Brasil precisa discutir previdência com rigor técnico, transparência e compromisso com a verdade institucional. A clareza conceitual não é apenas uma questão de precisão terminológica; é um instrumento de proteção ao participante, de defesa da credibilidade do sistema e de promoção de políticas públicas adequadas. É assim que se constrói segurança de longo prazo, confiança social e estabilidade previdenciária.

*Devanir Silva é Diretor-Presidente da Abrapp.

Artigo publicado originalmente no site Consultor Jurídico

Fonte: https://blog.abrapp.org.br/blog/artigo-consultor-juridico-por-que-nao-se-pode-confundir-rpps-com-previdencia-complementar-fechada-por-devanir-silva/

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